Foto: um Boeing 737-700 traça seu caminho - linha magenta - evitando as nuvens de tempestade (em vermelho) na chegada a São Paulo.
Naquele dia, cheguei em Bogotá. Havia um delicioso brownie com um recado de “Feliz Dia dos Comissários”, deixado em três línguas pelo hotel colombiano no quarto de cada um dos tripulantes comerciais do meu voo. Na manhã seguinte, veio a notícia. Consegui descobrir com relativa rapidez que uma amiga minha que voa na Air France não estava no fatídico voo. Depois daquela valiosa informação e com o distanciamento necessário, começou a segunda parte: pensar, pensar e pensar.
Sou tripulante de Boeing 737 da séries chamadas “Classic” e “Next Generation”, e também tenho uma boa experiência com Boeing 767. De Airbus, sei comparativamente pouco, e por isso consultei muitos colegas que voam estes aviões europeus diariamente. De qualquer forma, um elemento determinante do acidente pode ser algo comum à todos os modelos: o clima. E por si só, isso já trará uma série de novos paradigmas. Alguns anos atrás, um Boeing 777 da British pousou antes da pista em Londres após seus dois motores apagarem na final curta de Heathrow. Como é bem mais frequente do que se pensa, todos sobreviveram apesar da perda total da aeronave. Estudos mostraram que o acúmulo de um tipo pouco comum de gelo nos motores pode ter sido a causa deste flame out (grosso modo, afogamento), e este tipo de formação de gelo – que aconteceu num voo transpolar – pode, curiosamente, ter-se intensificado nos últimos anos com o chamado Aquecimento Global. No caso do Air France, o Airbus A330 envolvido passava pela ITCZ, ou seja, Zona de Convergência Intertropical. A ITCZ em si é bem conhecido dos aviadores – e dos navegadores antes deles. É uma zona que hora se situa acima do Equador, hora abaixo, e circunda o globo. É conhecida por grandes índices pluviométricos (note-se que todas as grandes florestas estão nesta região), e pela formação de grandes nuvens de tempestade. Muitos pilotos são categóricos em dizer que algumas décadas atrás, as tempestades eram mais baixas do que hoje, ou seja, que o topo de suas nuvens era facilmente sobrevoado pelas aeronaves comerciais. Talvez o Aquecimento Global esteja elevando estas formações, afinal, quanto mais calor, mais energia para que correntes convectivas levem até grandes altitudes água superfria e cristais de gelo ou mesmo granizo. Se a queda do Air France 447 estiver intimamente ligada ao choque com uma destas tempestades, isso poderá significar uma revolução desde o mapeamento e entendimento dos micro-burts, na década de 70, que já haviam feito muitas vítimas quando finalmente aprendemos a predizer suas aparições sorrateiras. As CBs, nuvens de tempestade, já são naturalmente evitadas e aparecem no radar meterológico das aeronaves, mas nossa compreensão de seus verdadeiros efeitos pode trazer novas medidas de segurança à navegação aérea.
Após quase 2 anos desde o acidente que vitimou os 228 passageiros e tripulantes do Airbus A330 que fazia a rota Rio-Paris, finalmente o campo principal de destroços foi localizado no fundo do Atlântico, e logo após, as caixas pretas. Muitas outras peças, incluindo os motores e o cockpit, podem trazer novos dados à investigação, mas com certeza, as mais relevantes esperanças se encontram nas chamadas CVR e FDR, os gravadores respectivamente de sons no cockpit e parâmetros de voo. Todavia, nunca antes as caixas pretas (programadas para emitir sinais de rádio indicando sua localização no fundo do mar por até 30 dias após o acidente) demoraram tanto a ser resgatadas, e é cedo para sabermos se os dados foram devidamente preservados. Isso nos traz uma outra possibilidade, cada dia mais presente nas aeronaves e que num futuro próximo, pode significar não necessariamente o fim, mas a redundância das caixas pretas. Nos dias seguintes ao acidente, foram divulgados as mensagens automáticas do sistema ACARS, que a aeronave emitiu sozinha durante sua queda. Foram quatro minutos de falhas progressivas até a perda do sinal. Atualmente, as principais companhias aéreas brasileiras já utilizam o FOQA, um programa que grava os parâmetros de voo independentemente das caixas-pretas e, baixado semanalmente das aeronaves por disquetes ou download, é analisado e traz para os diretores operacionais o comportamento de aeronaves e pilotos, permitindo, entre outras coisas, identificar-se padrões de navegação ou performance que possam vir no futuro a comprometer a segurança de voo. Estes sistemas têm nos permitido dados valiosos, como o comportamento das aeronaves ao encontrarem esteiras de aviões que estão mais à frente, ou a repetição não-usual de procedimentos não previstos em manual pelas tripulações em determinadas aproximações – que podem apontar, por exemplo, para mudanças positivas a fim de adaptar a rigidez técnica dos procedimentos pré-estabelecidos à realidade de quem voa. Mas estes dados do FOQA já podem, em determinados modelos de aeronaves, serem passados em tempo real para o operacional e para a manutenção das companhias, através do sistema ACARS. Foi o que o Airbus fez, nos dando pistas importantes sobre a maneira como a aeronave se comportou. O estado dos corpos encontrados à época e de alguns destroços também são uma fonte valiosa de investigação. Já sabemos, por exemplo, que o avião se chocou de barriga com o Oceano, a grande velocidade vertical, o que sugere um stall, ou seja, perda de sustentação. Como indicado pelo ACARS , presumimos que os tubos pitot, responsáveis por medir a velocidade e altitude da aeronave – algo funamental para o voo por instrumentos – apresentaram falhas, essa hipótese tem grande chance de vir a se confirmar. Mas a ausência de um pedido de socorro ou a queda muito rápida ainda são incógnitas, e é aí que dependemos das caixas-pretas. Em breve, com a melhoria dos sistemas ACARS, poderemos, quem sabe, ter número igual de dados disponíveis em tempo real, o que aceleraria muitíssimo as investigações, como aconteceu, ao seu tempo, com a introdução das caixas-pretas. De qualquer forma, todo acidente sempre será uma sucessão de falhas, humanas, tecnológicas, ou ambas. E quebrar a corrente que leva ao acidente é papel de todos que trabalham e participam, mesmo como passageiros, da aviação.
Enderson Rafael é escritor, comissário e estudioso de segurança de voo.
Nossa, texto extremamente técnico.
ResponderExcluirEstivemos sob grande expectativa para que a caixa preta fosse encontrada. E ela será apenas mais um passo para identificar as causas desse acidente tão trágico.
Espero que vejam a necessidade dos requisitos tão rígidos como são os de FDR. Não me conformo com os pedidos de autorização para CVDR inoperante...
oiiiiiiiii
ResponderExcluiradorei o blog,já estou seguindo
minha amiga fez a resenha do seu livro no nosso blog,caso vc queria da uma olhada
http://food4spirit.blogspot.com/2011/03/resenha-04-todas-as-estrelas-do-ceu.html
ela iria adorar tb um comentário
rsrsrrs