domingo, março 06, 2011

Cachaça fica pronta bem antes do Whisky












É início de noite de domingo de carnaval, e enquanto boa parte do país bebe pra esquecer, eu me preparo para ir trabalhar. Não que se estivesse de folga estaria bebendo a níveis amnésicos, mas a sobriedade de trabalhar na contramão de um país que odeia trabalhar deixa tudo mais evidente. A contribuir com minha tese, o genial vídeo da jornalista paraibana Rachel Sheherazade http://migre.me/405lE e dona do blog http://rachelsheherazade.blogspot.com Rachel sintetizou muito bem as prioridades de um Brasil que não sabe bem o que quer, mas tem certeza do que não quer.

A oitava economia do mundo, 47a colocada num exame que avaliou a educação em 52 países, com uma distribuição de renda vergonhosa em que 10% da população detém 60% das riquezas – e o pior, nós, que nem somos ricos, estamos nestes dez por cento também. Este é o Brasil. E o que tem o carnaval a ver com isso, o calor, o futebol e tantas outras coisas que costumam colocar na balança? Venho postergando este post há tempos, e não acho mesmo que seja o momento correto de colocá-lo no ar, mas uma conversa no twitter com o peruano Daniel Ágreda me trouxe certo estímulo para fazê-lo.

O Brasil, com ou sem Dilma Roussef, está mais uma vez adejando. Adejar é dar voos curtos e sem direção, mais ou menos como uma galinha faz – quando tem espaço, claro, e não confinada em granjas superlotadas. E o problema pode até ser a aversão a trabalho do brasileiro – e muitos virão aqui tacar pedra em mim por dizer isso, avaliando-se estes exímios trabalhadores ou mesmo defendendo os pobres que realmente trabalham neste país sem no fim conseguir juntar quase nada de bem material ou de tranquilidade espiritual – mas a origem do problema é bem outra.

Muitos diriam que a origem do problema é o processo de independência do Brasil. Como muito bem explicado por um de nossos best-sellers, Laurentino Gomes, muito do que se vê hoje nasceu no período colonial, e depois, no imperial, expandindo-se e ramificando-se na jovem república, até os nossos tempos. A profissionalização da preguiça, do descaso, do fácil em detrimento do bem feito, é o tempo em que vivemos, e nossa pretensa prosperidade, fruto muito mais de benesses conjunturais do que propriamente estruturais, acaba por encobrir tanta incompetência. Outro dia ouvi que tínhamos o verde das matas, o azul do céu e do mar e o ouro das riquezas na nossa bandeira, mas que nos faltava o vermelho das guerras. Concordo, os brasileiros conseguimos as coisas de maneira fácil demais. Até nossa independência nasceu de um acordo familiar, e não de guerras, como muitos dos nossos vizinhos melhor sucedidos tiveram. Quase todos os países desenvolvidos passaram por momentos difíceis no passado recente ou não. Mas isso também não justifica: a África está em guerra até hoje, o Oriente Médio também, e isso não os tornou lugares melhores que aqui.

Outros iriam além, diriam que o problema foi a colonização latina. Tudo bem, Portugal e Espanha não são os mais bem dotados dentre seus vizinhos, mas muito mais que a origem dos exploradores, poderíamos neste quesito avaliar o tipo de colonização. E por mais que se diga o contrário, a maneira como as Américas e a Oceania foram explorados pelas potências europeias que as dominavam não eram assim tão diferentes, independente da latitude. Quem visse naqueles tempos de colonização o tipo de gente que ia parar onde hoje fica os Estados Unidos jamais poderia supôr que o país fosse se tornar o que se tornou.

Mas dentre as explicações, talvez a mais exótica seja a do clima. De fato, é bem difícil achar nos trópicos algum país que seja exemplo de civilidade. Mas como boa parte dos trópicos está sobre o mar, uma comparação superficial não é muito útil. E explosões de desenvolvimento como se teve na China, no Egito e na Europa há já milhares de anos eram mesmo de se esperar em lugares onde a comida fosse mais escassa. Mas nos dias de hoje, onde embora ainda pregue suas peças, o clima não seja mais uma barreira intransponível ao cultivo de alimentos e os transportes sejam eficientes o suficiente para que os ingleses comam bananas da Costa do Marfim e nós comamos cerejas chilenas, essa justificativa me parece furada também. Além do quê, a Austrália é quente e chuvosa em boa parte do território, e nem por isso é o antro de violência e pobreza que é o Brasil. O argumento do tamanho da população é igualmente furado. A população dos Estados Unidos é consideravelmente maior que a nossa, e há vários países menores e piores que nós. Então, afinal, qual é a base disso tudo?! Por que quase 50 mil assassinatos por ano? Por que tanta ineficiência nos serviços públicos? Por que falta saúde, segurança, civilidade e vontade de melhorar tudo isso aos brasileiros? E a resposta, tão simples quanto inalcansável, é só uma.

Façamos um exercício mental. Se as pessoas tivessem uma educação básica muito boa, elas seriam profissionais melhores no futuro, não seriam? E conheceriam mais seus direitos, mas principalmente seus deveres, não conheceriam? E se sentiriam mais impelidas a buscá-los. E ganhariam melhor, gerando mais impostos, tendo mais qualidade de vida. E agentes de segurança pública melhor preparados e mais bem pagos tornariam as cidades mais seguras, assim como agentes de saúde mais bem preparados e mais bem pagos forneceriam uma saúde pública melhor, e assim por diante. Pessoas mais bem preparadas votariam melhor em candidatos também melhor preparados. Uma corrente do bem aconteceria se nós investíssemos de verdade na educação de base, depois na média, até a superior. Mas só tem um problema: esta solução é mágica, mas demorada. O Chile, que leva educação à sério há décadas, só agora está colhendo os frutos. As deliciosas cachaças ficam prontas rapidamente, mas mesmo a maioria dos whiskies ficam prontos antes que a educação dê resultado, e até lá, um país de pessoas iludidas com futebol, religião e carnaval já terão gerado milhões em impostos desviáveis, lícita e ilicitamente. Se eu acho que o Brasil tem solução? Acho que tem sim. Mas com certeza – e infelizmente – eu não viverei para ver, por mais que todo dia, faça uma pequena parte do que acredito ser o caminho certo.

Texto dedicado a todos que dedicam sua vida a que sejamos melhores enquanto espécie e enquanto nações, em especial a @danielagreda @@ @AmandaAriela e @Liv_Milla

imagem Infojovem.org

3 comentários:

  1. Educação é sim a única solução para o Brasil... mas eu também acho que não estarei viva para ver o Brasil que eu gostaria de ver... talvez por isso eu tenha desistido de ser professora...

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  2. Depois dessa reflexao estou sem palavras por que concordo com cada palavra,letra e acento que voce escreveu! Excelente texto Ende, realmente nos faz fazer uma graaaaaande reflexao!
    E muuuuiiiito obrigada(ou como disse o @daniellagreda muuchas gracias) Pela dedicatoria deste post!!!

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  3. Olha realmente concordo com isso, e acho que isso vai demorar muito tempo. O Brasil ainda não abriu os olhos e percebeu que a única forma de melhorar é a educação, mas o pior mesmo é ver os mais jovens, gente da minha idade de 16 não correr atrás do que pode, e aproveitar tudo o que o governo dá.
    Um exemplo disso foi esses dias, o Governo do Estado de São Paulo libera para o pessoal do terceiro ano aquela revista atualidades para ler e ajudar na educação, uma revista daquelas custa no minimo R$13,00. Ao receber minha revista, fiquei feliz por não ser necessário a compra dela para ajudar na minha educação para estudar para o vestibular, mas um menino - sabe aquele tipo que vai só para bagunçar? - ao receber a dele falou (me lembro como se você hoje) "Hey Vitor sabe para que vai servir isso? Para eu rodar no dedo"
    Agora me pergunto, como o Brasil vai crescer com um pensamento desses? Ou melhor, não adianta os governantes quererem melhorar a educação se a população quer deixar do jeito que está.
    Yasmin
    lerimaginar.blogspot.com

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