Uma questão de referencial.
À exceção do TAM 402, o Gol 1907 e o TAM 3054 foram acidentes muito próximos de mim. No GTD, perdi colegas e vivi o luto de uma empresa acostumada até ali a apenas boas notícias. Foi o momento em que tanto a Gol quanto seus funcionários cresceram, na marra, da noite pro dia. Lembro da lista colada no vidro do d.o., do meu celular congestionado de ligações, da Mari, amiga e comissária da congênere, vir correndo no saguão de Guarulhos e me abraçar emocionada naquela noite dizendo "Que bom que não foi você!" Vítimas de um sistema polvilhado de falhas em que dois pilotos americanos displicentes foram o gatilho de uma tragédia, os ocupantes do 1907 são lembrados no livro com a atenção de sempre. No entanto, como eu estudei muito este acidente e vivo o cotidiano das operações da companhia, é impossível não perceber alguns floreios desnecessários ou mesmo informações imprecisas. Detalhes, que não tiram o valor da narrativa rica do autor. É o estilo de Ivan. Uma das minhas grandes surpresas deste trecho é a descrição, de Ivan, sobre o bate-volta Porto Alegre, bate-volta Goiânia que Décio e Thiago, pilotos do 1907, fizeram uma semana antes do acidente: eu fiz aquele voo com eles e relembrar aquela jornada foi doído. Como contei para o autor por estes dias, Nerisvan, um dos comissários do 1907, havia começado a ler "Plano de Ataque" - livro anterior de Sant'Anna sobre o 11 de setembro - poucos dias antes do acidente, e é bem plausível que um exemplar do livro estivesse a bordo do Boeing. Vale ressaltar o ótimo apanhado de colisões no ar antes do Legacy e do GTD e a demonstração contundente de que nosso controle de tráfego aéreo está muito aquém do que precisamos, e foi o grande responsável pelo ocorrido (os pilotos do Legacy são menos culpados do que a opinião pública leiga costuma achar).
Coisa parecida sinto em relação ao TAM 3054. Eu, que entendo muito de Boeing 737, tive que aprender bastante de A320. A chuvosa e fria noite de 17 de julho de 2007 é, para mim, tão inesquecível quanto a longa noite sem notícias de 29 de setembro de 2006. Mas ao contrário do Gol, que despencou abatido sobre a floresta, longe da vista de todos, e hoje em dia só sabemos que passamos por ele pelos fixos NABOL e TERES nas telas de navegação de nossos aviões, o TAM desapareceu no prédio em frente ao meu, quando eu estava em casa. A descrição do barulho por Ivan foi precisa: "tuf". Um saco de batata, um baque seco. Foi isso que se seguiu ao esganiçado dos motores do Airbus. Lembro da luz laranja e quente iluminar o rosto hipnotizado da Vê quando afastei a cortina e vimos, a menos de 50 metros, um enorme cogumelo de fogo erguer-se do outro lado da rua. Sobre a teoria, na qual muitos pilotos de A320 acreditam, de que o computador da aeronave mandou a informação errada para o motor direito, Ivan não diz nada. O relatório final do CENIPA não descarta nem encoraja a versão, embora lembre que os comandantes recuaram ambas as manetes no pouso anterior, pq não o fariam naquele? Fica até a impressão de que, após o pouso, a tragédia era mesmo inevitável. É um acidente elucidado em parte, numa pista que guarda mais tragédias pro futuro próximo. Pouco mudou no Congonhas de hoje para o Congonhas daquele dia. Ivan dá o alerta, cuja pertinência é difícil alcançar.
O relato do 402, por ser o que menos tive contato - ainda estava no colégio e bem longe ainda da aviação naquela época - foi o que mais me agradou. Além do que é um caso realmente interessante, o qual ele linkou de forma pertinente com o misterioso Lauda Air, Ivan explica bem o funcionamento do reverso do Fokker.
Curioso que nos dois acidentes, um sistema que serve apenas de auxílio à frenagem (os pousos são calculados para darem certo sem eles) tenha sido protagonista.
Enfim, "Perda Total" deixa um gostinho de "poderia ser melhor". É muito bom, mas não alcança o "Caixa Preta". Ou talvez, o leitor do "Caixa Preta", um menino apaixonado por aviões que estava fazendo curso de comissário, seja muito diferente do chefe de cabine com 5mil horas de voo, elemento credenciado pelo CENIPA e autor de dois livros publicados, além de uma outra ficção inédita ("Três Céus") sobre aviação, e que leu o "Perda Total" em apenas dois dias.
Quero ler o Caixa Preta, mas não sei se conseguirei ler esse. Justamente por serem 2 acidentes em que, mesmo indiretamente, a aviação já estava presente em minha vida...
ResponderExcluirLendo a resenha, eu já me lembrei do que senti ao ver a notícia daquele acidente da Tam, uma notícia que não informava ao certo a empresa que era e nem de onde vinha o voo (o Lian estava em SP fazendo entrevista pra Gol...).
Deixa eu sentir o gostinho do Caixa Preta, antes de pensar em me aventurar por sentimentos tão recentes...
Beijos!
Uau! Esse livro é um daqueles que eu preciso ter. Amei Três Céus que é um romance, e esse foca uma realidade bem dura, de momentos que vivenciamos através da TV, sentindo a dor dos familiares e amigos das vítimas.
ResponderExcluirAmei sua resenha, e acredito que seja fiel ao que você sentiu com os acidentes e por ser um entendido no assunto, já que esse é seu universo de vida.
O livro parece ser realmente muito bom, certeza de uma leitura nua e crua.
PS: Sabia que a narrativa de Três Céus sobre o acidente como avião da Tam tinha um olhar bem mais que fictício.
Meu nome é Christiano sou do Rio de janeiro participei diretamente, vi e senti de perto o JJ 3054,o cheiro a imagem são inesqueciveis, preciso comprar este livro.
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