quarta-feira, junho 22, 2011

Por que a literatura portuguesa é melhor que a brasileira?

Uma resposta possível ao artigo “Os donos do português” da sessão Mente Aberta da revista Época.



Esta semana foi publicado na revista Época um artigo de dois jornalistas, Danilo Vintecinco e Luiz Antônio Giron sobre a cena literária portuguesa. Bom, nada demais, até algo bacana, se o artigo se resumisse a isto. Mas não, com um subtítulo propositalmente provocativo, os autores polemizam: “Por que a nova geração de autores de Portugal faz livros de ficção tão melhores que os brasileiros”.

Dentre as grandes falhas do artigo, está não explicar o porquê de os portugueses serem tão melhores. Então, verei o que posso fazer a respeito. Fala-se aí de abordagem, entrevistam o curador da FLIP que diz que somos provincianos, em outro ponto argumenta-se que nos miramos em exemplos como o de Rubem Fonseca, e por aí vamos. Ora, os portugueses falam do que falam pois vivem realidade diversa da nossa, e mesmo Portugal em crise há de ser muito melhor que o Brasil em pleno crescimento. Portanto, existe entre os escritores portugueses esta dedicação à literatura que o brasileiro, que em geral precisa contentar-se em escrever nas horas vagas do trabalho que lhe sustenta, não pode usufruir. Sou terminantemente contra ufanismos, e sim vejo autores brasileiros que desenham um Brasil leve e alegre, o que ele de fato não é. Com taxa de homicídios uma dúzia de vezes mais alta que a da ex-metrópole, não teria mesmo como ser. Também diz-se no artigo que autores portugueses conseguiram imensa projeção internacional, coisa que brasileiro nenhum conseguiu. Mas é claro! Para começo de conversa, lá eles são profissionais, aqui não somos. Mas o principal motivo é que o autor brasileiro não é vendido no exterior, há pouco da iniciativa privada e praticamente nada da pública para divulgar o Brasil lá fora. A nossa indústria aqui é muito amadora, são pouquíssimos agentes literários sérios, capazes de descobrir tesouros e os exportarem. Os editores brasileiros, por sua vez, vão à Frankfurt comprar literatura, e não vender. Está tudo errado. A impressão que o mercado editorial internacional tem é que a literatura brasileira contemporânea não existe, e de fato, ela está sufocada aqui com os títulos estrangeiros e lá fora, então... ela virtualmente não existe mesmo. Exportamos aviões e minério de ferro, literatura não.

Porém, e essa crítica me diz respeito, um dos pontos levantados no artigo é que “os autores brasileiros são muito unidos”, ao contrário dos de Portugal. Eu, um dos fundadores e integrantes do Novas Letras, um grupo de autores que viaja o país levando a literatura até seus leitores – grande trunfo que temos sobre os autores estrangeiros – explico o porquê: lá em Portugal, eles podem competir entre si – por mais estúpido que competir com outro autor possa ser, uma vez que se lê muito mais rápido do que se escreve – pois estão todos tranquilos com relação à valorização do seu trabalho, ao mercado literário português – especialmente aquecido no campo da ficção, embora isso não deixe de fazer com que estes mesmos patrícios venham buscar vender livros aqui, um paraíso para autores estrangeiros, como dito anteriormente. Nós, autores brasileiros que via de regra, ficamos a ver navios, estamos correndo atrás, revolucinando o mercado, conseguindo o apoio de grandes livrarias e editoras à medida que nos unimos e mostramos, junto de nossos leitores, a força e a qualidade no livro brasileiro. Eu tive a felicidade de me tornar um autor comercial, e digo isso porque prefiro agradar milhares de leitores a uma meia dúzia de críticos, o que não me deixa de forma alguma menos preocupado com a sofisticação do que escrevo. Pela minha formação, em publicidade, isso era quase natural. O universo pop me atrai mais que o clássico, o que não me faz menos fã de Saramago, Bilac, Pessoa ou qualquer outro grande escritor de Língua Portuguesa. Não acho que escrevamos só regionalismos, só sexo, só alegria ufanista de periferia. Mas sim, acho que muitos editores consideram este tipo de escrita mais “séria” e sei lá eu, “válida” que as mais comerciais. Meio como se pedissem desculpa por publicar um grande sucesso estrangeiro publicando em seguida livros nacionais densos que ninguém – ou quase ninguém – entende. Já li promessas nacionais aclamadas pela crítica, pela mídia, e por polidez não citarei nomes, mas me decepcionei. Então, não é que o Brasil só produza isso, mas é isso que chega ao público através de editores e críticos, embora o mercado mesmo esteja dominado pela literatura estrangeira comercial. Já a literatura comercial doméstica é preterida em favor da literatura brasileira “séria”. Resultado? Nenhum. Ficamos sem literatura nacional de resultados, nem comerciais nem de projeção crítica internacional.

De qualquer forma, ao nosso jeito, vou fazendo literatura, trocando ideias com meus amados leitores, e lendo os livros que agradam, abandonando os que não fazem seu papel de me instigar, e enaltecendo os que o fazem com honras. Vou encontrando com meus colegas escritores, bolando maneiras de mudar tudo isso e vou tranquilo, à margem deste rio de críticos que corta um deserto de leitores – às vezes, literalmente. Afinal, como me ensinaram os escoceses, cujo país visitei para estudar o cenário do meu próximo romance (que tem um protagonista brasileiro fazendo par com uma portuguesa, olhe só que ironia!), “o melhor whisky é aquele do qual você gosta”.

7 comentários:

  1. Pots muitíssimo (que palavra chique) bem escrito! :P

    Achei esse subtítulo engraçadão. Tenho medo de me tornar jornalista e ter que escrever algo do tipo, sob encomenda. Pô, alguém que lê uma coisa dessas pensa: "então ele vai explicar". No entanto só lemos sobre como os portugueses escrevem bem, comparando com 2 autores brasileiros e só. E veja bem: "nova geração". Cadê o texto citando a nossa nova geração também?

    Quanto a valorização da literatura brasileira lá fora, vi certa vez um vídeo da Thalita Rebouças nessa feira (?) em Frankfurt, a Rocco tentando vender títulos dela para fora, e não é que tenham conseguido algo. E ela mostra um Brasil até bonitinho, personagens sem muito senso crítico e tal. Seguindo a lógica, países europeus poderiam traduzir alguns dos livros dela, já que seria um livro brasileiro sem tiros, guerra, favela. Mas não quiseram. Resta saber o porquê.

    Enderson, mas eu pensava que em todo o mundo o escritor ganhasse apenas uma porcentagem pequena de cada livro vendido. Ou é que lá em Portugal eles vendam realmente muito mais?

    :**

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  2. Oi, Blanca, obrigado pelo comment:-) Sim, ganha-se uma porcentagem pequena, mas até justa de certa forma, se compararmos com o risco assumido pela editora e talz. Algo que vai dos 5% aos 15%, dependendo do prestígio do autor e da abordagem da editora. O que então deixa espaço para exatamente o ganho de escala: ou vende-se muito ou não ganha-se nada. Não é que os melhores autores portugueses vendam MUITO mas é que o mercado europeu é bem mais letrado que o brasileiro. Assim como acontece com o mercado argentino, o mercado americano, e outros por aí. Aqui no Brasil, lemos muito pouco. Tão pouco que o mercado argentino, com uma população do tamanho da paulista é maior. Portugal então, com 10 milhões de habitantes, tem um mercado editorial do mesmo tamanho que o nosso, com quase 200 milhões de habitantes! É aí que mora o problema, mas como tá todo mundo em crise e aqui o brasileiro continua gastando dinheiro que não tem pra comprar coisa que não precisa, vem todo mundo tentar vender suas coisas aqui. E este é o caso de Portugal tb.

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  3. Acho mesmo que esse artigo da Época foi uma forma dos portugueses venderem seu peixe,dando a entender que são melhores que os brasileiros, afinal aqui está uma crise enorme, porque não expandir o mercado? Tbm acredito numa certa ironia por causa do acordo ortográfico. Eu talvez possa estar viajando nesse ponto.. mas os portugueses até agora não engoliram o acordo! Dizem que já que a língua é portuguesa, herança deles, quem deveria mudar era o Brasil e não eles. Ou seja, se acham os donos da lingua portuguesa. O que eu vejo aqui é que os autores portugueses aqui em Portugal recebem um grande apoio por parte da mídia. Quando a Margarida Rebelo Pinto publica um novo livro até propaganda na TV aparece!! Enfim, concordo com vc que nós temos que vender o nosso peixe para fora, da mesma fora que eles vendem o deles para a gente. Um fato que me deixou extremamente feliz foi o Rafael Draccon ter sido publicado recentemente aqui e a editora ter elogiado mto o trabalho dele! Eu só tinha visto os livros da Thalita Rebouças pra vender aqui, por isso fiquei super contente. Um dia tbm espero ver o Todas por cá tbm, rsrs!

    Beijinhos :*

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  4. Oi, Rê! Mto bom ter o ponto de vista de alguém que está em Portugal, mto obrigado! Quanto ao Draccon, a Leya veio para o Brasil, e então está levando alguns dos autores que descobriu aqui de volta praí. Eu tb espero ver o "Todas" no mercado português, afinal, nossa pátria é nossa língua, e não há motivos para que hajam fronteiras entre elas, com ou sem acordo;-) Beijo grande!

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  5. Sabe o que eu penso que faltou nesse artigo? Pesquisa. Ou a) o autor/autora do artigo é um tremendo puxa-saco de Portugal ou b) Não pesquisou muita coisa.

    "Apesar disso, a literatura brasileira derrapa, enquanto uma nova geração de autores portugueses ocupa as prateleiras, seduz a crítica internacional, arrebanha leitores e deixa os ficcionistas brasileiros a ver navios. Por quê?"
    Talvez porque os ficionistas brasileiros não tenham o mínimo apoio no lançamento de seus livros (quando um autor consegue finalmente lançar um livro por aqui, infelizmente é com total descaso da editora responsável. Sem querer generalizar, mas o tratamento que algumas editoras dão aos livros de autores nacionais é triste.), além de que, como você mencionou, o povo brasileiro não lê.

    Enderson, você que tá mais por dentro dos negócios com editoras e tal, quanto que um autor brasileiro tem que vender, no mínimo, para continuar sendo publicado?

    Beijos

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  6. Oi, Thais! Olha, não tem regra pra isso. Tem gente que não vende quase nada e continua sendo publicado, gente que vende bem e não é mais publicado. A margem de uma editora é baixa na primeira edição, principalmente se forem poucos livros (no Brasil, é bastante comum algo em torno de 1mil a 2mil exemplares). As edições seguintes dependem da rentabilidade da primeira, e como sempre digo, um livro sustenta financeira e moralmente o seguinte. Mas a editora pode estar num momento ruim, o seu novo livro pode não se encquadrar no que eles querem, há muitas possibilidades. Como em tudo na vida, mais difícil que chegar lá é se manter lá. Beijão e obrigado pela participação!

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  7. Ola Rafael,

    Sou portuguesa e gosto de literatura.
    Embora sejamos pequenos, penso que conseguimos produzir boa literatura mas acho que isso tem a ver com alguma tradicao historica e a a tendencia passada de se priviligiar as humanidades (influencia francesa). Tambem acho que o facto de sermos um povo nostalgico e com sensibilidade humanistica apurada potencia a introspeccao, favoravel a literatura.
    Mas o futuro da literatura lusofona vai passar muito pelo surgimento de grandes escritores brasileiros, angolanos, mocambicanos....Ja sao muito comercializados c'a.
    Relativamente ao Brasil, estive ai e contactei com alguns intelectuais do Rio e fiquei muito orgulhosa por saber o quanto gostam de Fernando Pessoa. 'E impressionando como Pessoa vos tocou tanto.
    Comprei um livro com os vossos classicos (Machado de Assis, etc) e gostei muito.
    Sei que o Nordeste e muito forte na area das artes mas cada vez mais vao aparecer jovens dotados...E so uma questao de tempo.

    PS- desculpem a falta de acentos mas e do computador.

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