quinta-feira, janeiro 13, 2011

A CULPA É DA NATUREZA


Afinal, qual o papel dela nos desastres das chuvas?

Como alguém que morou anos em Teresópolis e até hoje vai lá todo mês, sinto-me na obrigação de ajudar a esclarecer esta dúvida. A bela cidade serrana e suas cercanias jamais foram tão devastadas pela chuva como agora. Mas isso não significa que não tenha acontecido antes. Na verdade, em todos – TODOS – os últimos 17 anos em que frequento Teresópolis, em algum momento choveu o suficiente para fazer estragos. Desde cheias do rio que corta o centro da cidade a deslizamentos nas áreas mais íngremes de bairros pobres.

Se a natureza tem culpa? Pelo menos é o que os governantes acreditam que sim. Afinal, choveu em um dia boa parte do previsto para o mês todo e o Estado insiste em se preparar, e muito mal, para as médias das chuvas – sem sequer combinar com São Pedro. E se insistirmos muito de que o problema é que o Estado não investe na prevenção, ou que a população é mal educada e joga lixo nas encostas e rios, ou que há muita gente morando em áreas irregulares, é possível que escutemos: “Mas se vocês observarem bem, há deslizamentos dentro do Parque Nacional, em áreas de mata fechada.” Onde devem ter morrido micos e passarinhos, acrescentaria eu.

Mais uma vez, a culpa é da natureza. Não vou nem entrar no mérito do aquecimento global, cuja culpa também é claramente da natureza. A Terra já aqueceu e já esfriou antes, alguma dúvida? A culpa é da natureza sim. Sabe por quê? O conceito de natureza, no dicionário, é algo como o “conjunto de todas as coisas criadas”. Logo, o fato que desencadeou as centenas de mortes na Região Serrana do Rio de Janeiro foi só um: a queda do asteróide na Península de Yucatán 65 milhões de anos atrás. Não percebeu a sutileza? Tudo bem, eu explico.

Há 65 milhões de anos, a Terra era dominada por répteis gigantes, que hoje conhecemos como “dinossauros” – mas sabe lá que nome eles próprios se davam. Era um período chamado de Cretáceo. Aí, tudo indica – e as evidências são bem convincentes, eu garanto – que um asteróide de mais ou menos 10km de diâmetro atingiu nosso planeta mais ou menos onde hoje fica a badalada Cancún. Este evento provocou uma série de mudanças climáticas importantes, além claro do estrago inicial, e levou ao início de uma nova era geológica, antes conhecida pelos cientistas humanos como Terciário, mas que hoje chama-se Paleogeno. Dentre os efeitos nefastos deste impacto, os dinossauros sucumbiram. No lugar dos imensos répteis, os pequenos mamíferos da época, do tamanho de porquinhos da Índia, proliferaram. Por terem sangue quente e tamanho reduzido, conseguiram sobreviver ao inverno que se seguiu, quando a poeira resultante do meteoro encobriu a luz do Sol por muito, muito tempo. Sem competição à altura, os mamíferos foram se desenvolvendo até que, há um par de milhões de anos, surgiram nossos primeiros ancestrais diretos. Ou seja: sem o meteoro do Cretáceo-Paleoceno, nenhum humano teria falecido na Região Serrana do Rio de Janeiro.

Da próxima vez que seu governante vier colocar a culpa na natureza, engrosse o coro. Nós somos parte do problema, nós fazemos parte da natureza, e quando estivermos extintos, tudo bem: a natureza ainda existirá, só não haverá ninguém pra contar a história, esta ode à nossa própria estupidez.

Enderson Rafael é autor do romance “Todas as estrelas do céu”, que se passa em Teresópolis.

3 comentários:

  1. Palmas para você, muito sábias suas palavras, a culpa é da Natureza, “conjunto de todas as coisas criadas” e olha nós no meio dessa obra!
    Meus sentimentos pelos que se foram!

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  2. Concordo plenamente com este seu ponto de vista, Rafael.

    Defendo, principalmente, que o trabalho de conservação deste planeta, país, estado e cidades (começando pela nossa própria rua, mesmo) é uma tarefa coletiva. Fulano ou cicrano não tem culpa pelo que aconcete no meu jardim, ou vice-versa.

    Mas sempre que acontece algo de maiores proporções, assim, a primeira coisa que a mídia faz é procurar culpados. Triste, porque poderiam começar pelo que eles mesmos não fazem. O que cada um de nós não faz.

    Com isso, só quem perde são aqueles que se foram =/

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  3. Concordo com você Rafael, é uma coisa muito triste quando a mídia começar a preparar culpados, e espero que as pessoas que viveram essa tragédia, as que sobreviveram pelo menos, consigam resgatar a normalidade da vida, se for possível.
    Estou seguindo o blog, espero o mesmo de você, tenho um blog literário.

    Caa Oliveira
    Open Mind - www.openmindbook.blogspot.com

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