ESTUDO DE CAPA “TODAS AS ESTRELAS DO CÉU”

A produção de um livro tem várias etapas, e entre todas, uma das mais importantes é a criação da capa. Ela, além de guiar todo o projeto gráfico do livro, ainda será o grande cartão de visitas da obra, a responsável por atrair novos leitores, despertar o interesse de quem o veja numa livraria ou biblioteca. Para isso, vários são os recursos, variadas as técnicas, tanto de direção de arte e desing, quanto de produção gráfica e impressão. As estantes das livrarias estão recheadas de bons exemplos de capa, mas você faz ideia do quanto se estudou até chegar ao formato final, que acaba sendo o consagrado entre os leitores? Quantas capas foram propostas e não aceitas, modificadas, em que se inspiraram? Bom, hoje, vocês conhecerão o estudo de capa do meu querido romance “Todas as estrelas do céu”, que nos dez anos em que buscou a publicação, e nas duas semanas em que se formou o conceito brilhante do seu projeto gráfico, passou por inusitadas etapas até chegar à capa que foi apresentada a vocês no final de abril.

A primeira capa é do original. Em geral é simples, sem muitos detalhes além da fonte que leva o título e serve apenas para abrir a cópia xerocada e encadernada que enviamos para as editoras logo após o livro ficar pronto. As fontes e quebras utilizadas nas 300 cópias distribuidas pelo país na campanha para a publicação do “Todas” são as mesmas do original de 1999. A única coisa que mudou foi um desenho bem tosco que mostrava Alfa e Beta Centauri e o Cruzeiro do Sul, substituídos pelo texto de apresentação da campanha e pelo trecho do livro que instigava o leitor a lê-lo – recurso genial usado com maestria nas capas dos livros de Chico Buarque (Cia das Letras).

Na medida em que a campanha foi criando corpo, a fotógrafa Marta Osaki criou uma capa que passou a representar o livro na internet. Decidimos resgatar o Cruzeiro do Sul e Alfa e Beta Centauri, mas desta vez em foto, e uma parte muito bonita do céu, tomada pela nossa galáxia, a Via-Láctea, foi reproduzida na capa da Marta, e com algo que já há algum tempo eu considerava: a silhueta da Serra dos Orgãos, em Teresópolis. Pensei nisso uma vez que fui ao sotão da casa do meu editor e fotografei a serra à noite, e esta foi a ideia que aperfeiçoamos. O conceito original era uma foto noturna de longa exposição que pegasse a cidade de Teresópolis, a Serra dos Orgãos no trecho do Escalavrado, com cerca de 1200 metros de altura, até a Pedra da Papuda, com mais de 2mil metros – e que encobre quase sempre a visão da Pedra do Sino, com 2263 metros, ponto culminante do maciço – e o céu estrelado. A ideia era boa e bem intencionada, mas nuvens, a luminosidade da cidade e a posição das estrelas dificultaram nosso trabalho. Para conseguir o céu e a silhueta perfeita, Marta tirou duas fotos: uma de exposição de 30 segundos do céu, na porção que ia de Alfa e Beta de Centauro até Eta Carina, uma das mais famosas supernovas já descobertas; e outra da Serra dos Orgãos como é vista do bairro Vale do Paraíso, em Teresópolis. A foto da serra teve que ser, por questões de contraste, tirada de dia, e depois, assim como Marta clareou o céu para destacar as estrelas, ela também escureceu a Serra, justo para criar o efeito desejado. Essa foi a capa que Julianna Steffens consagrou com sua resenha em dezembro de 2009 e que passou a representar o livro no orkut, no Twitter e no Skoob.

No entanto, embora esta capa representasse bem o conceito, deixava a dever em alguns aspectos técnicos, e quando o contrato foi assinado, novas capas já começavam a surgir. Na capa da campanha, a fonte escolhida por mim e a disposição do título eram grosseiros, e um novo tratamento, muito mais profissional – afinal, sou formado redator, não diretor de arte – fez com que a editora Novas Ideias/2ab contratasse um estúdio de design para cuidar do projeto gráfico e da capa, o estúdio carioca Creamcrackers. Tatiane Marinho e Aline Haluch trabalharam no projeto gráfico, e a capa coube à Tati. No primeiro briefing da editora com o Creamcrackers, pedimos que mantivessem a imagem concebida pela Marta, e algumas sugestões bem distintas entre si surgiram.

Cada uma delas tinha pontos fortes e fracos. Na primeira, tinha um jogo interessante do pontilhado no título brincando com as constelações, mas tapando as estrelas. Na segunda, uma empolgante combinação de cores e uma boa distribuição dos elementos na página – o nome do autor no topo e o título na parte preta do layout, que seria mantida até o final – mas a fonte e as cores, pontos também fortes da capa, acabavam sugerindo um livro mais infantil do que pretendíamos. Por fim, a terceira capa era mais feminina, mas o título bem destacado também apagava as estrelas. Diante do impasse, pedimos que mantivessem o título embaixo – liberando o céu estrelado, e usassem de novo a fonte da versão cheia de cores, mas de uma forma mais sóbria. Acima de tudo, num passo ousado mas bem pensado de ruptura com a capa que já estava conhecida na internet, demos liberdade às meninas para mexerem na imagem da serra e das estrelas, mas pedimos que mantivessem ambos os elementos, ainda que não necessariamente em foto.

As sugestões vieram alguns dias depois, e foram as seguintes:

Gostamos das três, mas ainda sentíamos que não tínhamos a fórmula final. Pedimos para Tati não mais usar o box para colocar o nome da editora (note-se que naqueles primeiros testes usou-se o da 2AB Editora). Também, ainda que as sugestões de recursos gráficos – alto relevo, verniz, hot-stamping – fossem ótimas e dessem destaque àquelas capas mais coloridas, pedimos que ela trabalhasse numa fórmula mais sóbria de cores, que remetesse mais à capa original. E foi aí que vieram as duas últimas sugestões, ambas ótimas.

Nelas, percebemos que estávamos bem próximos do resultado perfeito. Se vocês repararem com cuidado, as cores da primeira são as mesmas que seriam as aprovadas no formato final, e na segunda capa proposta, a fonte foi genialmente ligada nas quebras, trazendo um traço exclusivo à capa – e que já até pensamos em usar para dar continuidade à identidade visual nos meus próximos livros. Pensamos seriamente em aprovar a segunda como estava, com a serra em laranja, mas resolvemos incomodar as Creamcrackers só mais uma vez, e pedimos uma combinação das cores da primeira com o layout da segunda. Assim nasceu a capa que hoje vocês vêem com bastante frequencia na internet, e com a qual nos acostumamos ao longo do mês de maio. Ela, não só respeitou a capa original, na qual foi baseada, como criou novos e belos elementos, tornando-se a identidade visual definitiva do “Todas as estrelas do céu”.

Mas nada nos prepararia para o efeito do hot-stamping prata sobre a capa fosca em azul escuro e preto. Foi só no dia 28 de maio, quando o livro ficou pronto – apenas um mês e meio após a assinatura do contrato – que nos demos conta do quanto Tati e Aline tinham acertado na mosca. A capa do “Todas as estrelas do céu” tem, desde então, encantado a todos que a vêem, e servido de abertura para um projeto gráfico primoroso, que como nunca vi antes, casou com o texto de forma inseparável. O destaque do prata com o desenho e as cores sóbrias, deixaram, como se diz, o layout da capa classudo, o que acabou nos dando a vantagem de com isso, atingir além dos adolescentes, um público mais adulto, o que é perfeito, uma vez que a temática do livro é jovem mas séria. Se vocês ainda não viram esta capa pessoalmente, deveriam correr pra livraria mais próxima pra conferir o trabalho de quase uma dúzia de pessoas na criação, concepção, aprovação e produção de uma das capas mais belas que já vi. Obrigado a todos que me ajudaram nesse trabalho lindo e que fez o texto do "Todas" ainda mais especial do que já é.