Era 15 de dezembro de 1982. Um novíssimo Boeing 747-400 nas cores da real companhia áerea holandesa KLM decolara de Amsterdam para Narita, no Japão. Já iam muitas e muitas horas de voo na longa travessia transpolar quando, nas proximidades do Alaska, todos os quatro motores do imenso jato de centenas de toneladas pararam. O Monte Redoubt entrara em erupção na véspera, e o jumbo acabara de entrar inadvertidamente em sua imensa nuvem de cinzas. Os pilotos, cuidando agora de um imenso planador com 231 passageiros a bordo, conseguiram a muito custo reacender os motores quando baixaram de altitude pela metade e pousaram o jato em segurança em Anchorage. Não houve feridos, mas além do susto, o reparo da aeronave custou 80 milhões de dólares, incluindo a substituição de todos os motores, danificados irremediavelmente.
Mas qual o efeito das cinzas sobre os aviões? Como detectá-las? Quão comuns elas são? Bom, no Brasil é bastante raro escutarmos sobre restrições de voo devido a cinzas vulcânicas, mas elas são um risco comum e bem gerenciado em todo o mundo. Há muitas áreas de atividades vulcânicas constantemente monitorados da terra e do espaço no mundo, e a Cordilheira dos Andes é uma das mais ativas do planeta. Esta semana, a pluma expelida pelo complexo Puyehue-Cordón Caulle, no Chile, estendeu-se por boa parte do cone sul, afetando três centenas de voos em seis países em um único dia. A exemplo do que aconteceu na Europa ano passado e outra vez, em menor escala, este ano, aqui também os aviões foram mantidos em solo nas áreas mais críticas, o que influiu inclusive no meu voo para Cordoba essa semana... Mas tudo tem razão, e aqui vão elas!
Aeronaves a jato são movidas a motores extremamente eficientes, confiáveis, e que têm um princípio genial. Um grande fan (ventilador) suga o ar para dentro do motor, onde ele é comprimido (na turbina), o combustível é injetado e inflamado junto a ele, expandindo este ar e expelindo-o a altíssimas velocidades e temperaturas, o que naturalmente empurra o avião para frente. Os motores de um Boeing 737-800, por exemplo, os CFM56-7B, têm 27mil libras de empuxo cada um, o suficiente para levantar verticalmente doze carros de passeio, e que levam uma aeronave de 80 toneladas com 180 passageiros a mais de 5mil km de distância a 78% da velocidade do som (algo que pode chegar a 1000km/h), gastando mais ou menos tanto combustível por passageiro/quilômetro quanto um carro gastaria. Mas estas maravilhas da engenharia têm alguns inimigos naturais, e nenhum é tão sorrateiro quanto as cinzas vulcânicas. Compostas de cristais minúsculos, invisíveis aos radares meteorológicos a bordo e elevando-se a altitudes enormes na atmosfera, as cinzas entram nos motores e derretem-se ao chegar à câmara de combustão dentro deles, solidificando-se em seguida como vidro nas saídas de combustível destas câmaras. O resultado é que com pouco combustível e pouco ar, o motor apaga, e religá-lo só é possível com sorte e perícia. O efeito abrasivo das cinzas é tão forte que chocando-se a centenas de quilômetros por hora contra partes do motor e mesmo dos vidros e fuselagem do avião, elas fazem uma espécie de “jato de areia”, danificando seriamente a aeronave e sua segurança em voo. E é por isso que todo cuidado é pouco, e dezenas de milhares de pessoas deixaram de voar esta semana no nosso continente.
Mas fique tranquilo, antes de cada voo os pilotos recebem as informações sobre onde estarão e como desviar destas nuvens de cinzas quando elas aparecerem. E embora inúmeras erupções aconteçam todo ano no mundo, encontros furtivos como o do KLM hoje são coisa do passado.
Qualquer dúvida que vocês tenham, só perguntar nos comentários que respondo! Afinal, a maior arma a favor da segurança de voo é a informação! Bons voos!
Enderson Rafael é escritor, comissário de voo e autor do romance inédito "Três Céus", que conta a história de três tripulantes de uma grande companhia aérea.
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