terça-feira, outubro 04, 2011

14 horas e 14 dias












Foto: "Todas as estrelas do céu" pronto para ser apresentado às editoras de língua espanhola.

Hoje, passei meia hora em Florianópolis. Em nenhum momento me afastei mais que uns dez metros da aeronave que eu tripulava. Mas tive a sorte de passar os trinta minutos mais bonitos do dia em solo catarinense: um pôr-do-sol lindo acontecia do outro lado da Baía Sul, por trás da Serra do Tabuleiro.

Anos atrás, quando eu morava e estudava no Rio de Janeiro, a Rede Globo produziu e veiculou a série “A casa das sete mulheres”, uma minissérie que falava da Guerra dos Farrapos, que se desenrolou no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina no século XIX. Velha conhecida dos meus livros de História na infância florianopolitana, a Guerra me trouxe um banzo tão irresistível do vento sul e das paragens da minha terra natal que pouco tempo depois joguei para o alto tudo que eu havia conquistado em 10 anos morando no Rio para voltar à Ilha de Santa Catarina – e descobrir que ela, naturalmente, não era mais a mesma.

Mal sabia eu que minha próxima investida pelo mundo seria muito mais prolífera, e em novembro de 2005 coloquei, pela primeira vez, os pés fora do Brasil. Por conta de um vazamento de óleo num dos motores do belo Boeing 737-700 que eu tripulava, passamos 14 horas em solo argentino, na importante cidade de Rosário. Naquele dia, percebi como o ar era diferente no exterior, como a língua transformava tudo num envolvente e inescapável filme sem legenda. Lá, me ocorreu a “Canção do Exílio” de Gonçalvez Dias, pois mesmo em nosso país vizinho tão próximo, os passáros não gorjeiam como cá.

Os anos que viriam, na aviação, transformariam o pequeno catarinense num cidadão do mundo, e hoje, 17 países depois, ainda sinto saudades do Brasil quando estou longe, mas cada vez demora mais. Ano passado, passei 12 dias na Escócia, pesquisando para o romance que estou escrevendo. Este mês, por motivo mais singelo – uma Lua de Mel – baterei este recorde, elevando para 14 o número de dias que passarei fora, numa ilha caribenha dividida amigavelmente entre franceses e holandeses. Conheço gente que passou bem mais que semanas: meses, até anos fora do Brasil, e todos são unânimes em afirmar que é necessário estar longe para se perceber as mazelas e virtudes de nosso país com maior clareza.

Eu, apaixonado pelo tema, machucado pela mãe nada gentil, e choroso do tanto que poderia ser mais não é o Brasil, vou além. Digo que o Brasil não vai até essa fronteira furada por onde passam armas e drogas. O Brasil não é o lugar com maior número de assassinatos no mundo, nem uma parte do globo onde milhões morrem de fome e de descaso do poder público. O Brasil não se resume a um território geográfico e jurídico, pois o conceito de país pode ser este, mas o de nação é mais abstrato, porém mais poderoso.

O Brasil é um conjunto de boas pessoas, inteligentes, esforçadas, trabalhadoras, honestas, que por acaso, nasceram nesta região da América do Sul que fala um português todo peculiar, cheio de influências indígenas e africanas, inglesas e francesas, japonesas e alemãs, dentre tantas outras. O Brasil não fica confinado nesse território imenso e sofrido, vai além, vai até onde cada um de seus bons cidadãos o levem consigo, em seus corações. O Brasil não é só um time de futebol, só uma fábrica de aviões, só um punhado de músicos geniais. O Brasil vai até onde eu reconheça em outros povos a graça e alegria da minha gente, a beleza da minha língua, a clareza das minhas ideias e a virtude dos meus princípios. E chegando lá, longe, milhares de quilômetros sobre florestas, mares e montanhas, o Brasil irá sim, até onde minhas palavras o levem, até onde minha saudade alcance.

Enderson Rafael é escritor e comissário de voo, autor dos romances "Todas as estrelas do céu" e "Três Céus".

Um comentário:

  1. Maravilhoso!

    Eu só fiquei 10 dias fora de país, mas realmente só quem já ficou pelo menos um pouco fora, entende essa saudade e começa a perceber o potencial que o nosso país poderia atingir! E a força que ele já tem!

    Amei, o último paragráfo! Tocante, bonito, real e muito bem escrito!

    Só um escritor mesmo, para proporcionar isso.!

    Beijos!

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