domingo, junho 05, 2011

#YAsaves - O Papel dos Ya Books

foto: Bonecas russas, título de um filme voltado para jovens adultos. O Papel dos Ya Books seria educar?


Eu estou devendo o post sobre o resumo de fatos publicados pelo BEA no caso do Air France 447, e já estou trabalhando nele, mas ontem, surgiu um assunto no twitter sobre YA Books que gerou inclusive a comentadíssima hashtag #YAsaves.

Foi a reação ao artigo publicado pelo Wall Street Journal (o mesmo que havia acusado os pilotos do AF447 antes mesmo da divulgação de alguns poucos dados da caixa-preta pelo BEA) de uma colunista sobre os livros para jovens adultos, ou “YA Books”.

Em seu artigo “Darkness too visible”(“Escuridão visível demais", leia AQUI), Meghan Cox Gurdon fala sobre o conteúdo dos atuais livros para adolescentes, que mostram coisas as quais, ela acha, é cedo demais para eles. O que mais a intriga é que tais títulos poderiam incentivar alguns jovens mais propensos a cometerem atos que eles leem nestes livros. O argumento em contrário que ela mesmo tenta destruir é o de que livros que tratam de estupros, automutilações, incestos, suicídios e coisas afins podem ajudar quem passa por estas situações. Bom, eu vou mais longe.

Uma das frases mais clássicas que existe é “a vida imita a arte”, e de certa forma, Gurdon está tentando mostrar que isso é literal e literariamente verdade. Acho a frase mais lúdica do que necessariamente um dogma. Na minha opinião, arte e vida se retroalimentam, tanto quanto a tv e a internet o fazem. Passou na tv que um site é bacana, você vai na internet conhecê-lo; fulano fez sucesso na internet, vai parar na tv.

Mas até aí tudo bem, pessoas adultas podem, em tese, ler qualquer coisa sobre qualquer tipo de gênero, pois são teoricamente maduras para encarar essa literatura dita mais pesada. O problema de Gurdon, bem claramente, são jovens cuja educação ainda está em formação, quererem ler coisas semelhantes. Ela está certa em parte, sobre a responsabilidade de autores e editores, mas não é simples assim.

Bom, não acho que meus livros devam educar ninguém, acho honestamente que isto é papel dos pais dos meus leitores, e em menor grau, de seus professores. Em especial sobre o “Todas as estrelas do céu”, que traz em si alguns dos temas reprovados por Gurdon – que não posso falar pra não dar spoiler, ele foi escrito por mim entre os 18 e 19 anos. Ou seja, se eu escrevi aquilo com aquela idade, isso significa que estes temas passavam pela minha cabeça, eram pertinentes pra mim, e certamente o são pra jovens de hoje. A educação que recebemos é que define como encararemos estes temas, que tipo de coisas nos atrairá, e o quanto atrairá. Considerar a ideia de algumas coisas é sempre possível, cometê-las é que deve ser bem mais pensado. Cada um com seus pensamentos, e fora nós, nossos personagens podem despudoradamente levar a cabo coisas que nós apenas podemos – ou deveríamos – imaginar. Se eu preferia que nada de ruim houvesse no mundo?! Claro! Mas as coisas ruins existem, e é por causa delas que as coisas boas acontecem: porque as pessoas se cansam e fazem acontecer. A humanidade está menos violenta, embora pareça o contrário. Hoje em dia, só pra dar apenas um exemplo, não se queimam mais pessoas em praça pública. Se isso não for “aumento de civilidade e diminuição de violência” é o quê? Mais atos violentos que antes?! Talvez. Mas hoje a população mundial é umas 10 vezes maior que na Idade Média. Agora, que se mata de maneira mais “limpa” que antes, não há dúvida. Tanto que se alguém é esquartejado ou algo do tipo, isso causa imensa comoção. Apenas dois séculos atrás, o governo fez isso com Tiradentes para que todo mundo visse.

Qual, então, o verdadeiro papel dos YA Books?!

Toda literatura, sem exceção, deve trazer entretenimento e fomentar reflexão em quem lê. Mesmo a mais açucarada chick-lit faz o leitor pensar. E se literatura não fizer pensar, ela perde todo o sentido. Como eu disse, não somos, nós autores de ficção, educadores. Nossa formação, na maioria das vezes, sequer permite isso. Eu tenho meus valores, e vou procurar disseminá-los, pois acho que eles são melhores do que o de algumas outras pessoas. Assim como todo mundo faz. Por exemplo, você nunca vai ver apologia às drogas ou ao cigarro num livro meu. Mas não é impossível que você encontre alguém fumando ou se drogando se isto for pertinente para o enredo, e certamente algum outro personagem ou o próprio enredo tomará atitudes com relação a isso para que fique claro para o leitor o que acho destes temas (o roteiro de “Mil Mares”, disponível na internet de graça, trata de maconha e bebida+direção, por exemplo).

O melhor Ya Book que li até hoje, “Looking for Alaska”, de John Green, serve de exemplo do que acredito neste segmento da literatura. Por isso mesmo, como ele, escrevo sobre coisas reais, sem apelos sobrenaturais. Acho que a realidade é bem fascinante, o suficiente, para que cheguemos próximos de nossos leitores e que eles se assombrem sim, mais com as belezas e possibilidades da vida real do que com suas mazelas. E isto me lembra meu próximo livro, “Três Céus”. Mal comparando, um livro didático é um manual de uma aeronave, ensinando como pilotá-la. Já um livro para jovens adultos é como um simulador de voo. Os pilotos treinam seguidas panes, fogo no motor, stall, perda de sistemas, à exaustão, de maneira segura, dentro de um videogame gigante. Então, quando eles estiverem voando no avião de verdade e qualquer uma destas coisas acontecer, eles reagirão corretamente e salvarão todo mundo. Um bom livro não é menos comovente que um simulador – de onde os pilotos saem com o coração acelerado. Um Ya Book é um simulador de experiências e sentimentos, e às vezes, enquanto jovens, não vivemos ainda certas coisas pesadas do mundo adulto, mas é bom que estejamos preparados para elas quando chegarmos lá, e os livros são a maneira mais segura de fazê-lo. E como eu disse outro dia, antes mesmo desta polêmica toda aparecer em cima do tal artigo, nós lemos – e escrevemos - para fugir um pouco da realidade, para experimentar outras possibilidades e vidas que não a nossa. Quem se droga, vai pelo mesmo caminho. Quando o efeito de uma droga pesada passa, o dependente quer mais. Quando um bom livro acaba, o leitor e o autor também querem mais. A diferença é que o dependente sai da droga ainda mais vulnerável, e leitores e escritores saem dos livros muito mais peparados para o que está por vir.

Enderson Rafael é autor de “Todas as estrelas do céu”, um típico Ya Book, entre outras obras voltadas para jovens adultos.

5 comentários:

  1. Se fosse assim, O Apanhador no Campo de Centeio ensinaria os meninos a matar aula, enganar os pais e gastar dinheiro em bares...

    E vão dizer "sim, mas muitos garotos fazem isso". É, fazem, mas eles não precisaram aprender isso nos livros.

    Concordo que se está nos livros, é porque reflete a sociedade como ela é. E sinceramente, acho que os YA Books, quando tratam de assuntos como "estupros, automutilações, incestos, suicídios" como você disse, não fazem apologia a esses comportamentos, ao contrário. São assuntos sempre tratados como uma situação cujo personagem tem que lidar, como vários adolescentes.

    Se fosse para evitar que acontecessem, seria uma cartilha educativa... Enfim, essa senhora está equivocada e queria saber quantos (e quais) YA Books ela leu até hoje.

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  2. Ótima visão Enderson!

    Também desaprovei o artigo dela, por diversas razões. E acredito, assim como você, que o YA está ali mais para entreter e informar, do que educar.
    Vamos ler, mas vamos assimilar aquilo que o nosso ambiente nos ensinou!

    Beijos!

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  3. Hmm... Eu vi algumas pessoas falando sobre isso no Twitter, mas ainda não tinha entendido.

    Eu acho que os pais devem ensinar à CRIANÇA os valores corretos e lhe dar condições de ter discernimento quando mais velho. Sim, muitas vezes as histórias são duras, tristes, pesadas, mas a vida é assim, oras! Eu não ler um livro sobre suicídio, por exemplo, não é capaz de impedir de perder um dos meus amigos dessa forma. Privar os adolescentes de ler livros com temas mais pesados vai gerar adultos alienados e egoístas, porque as histórias, em sua maioria, não mostram apenas o lado ruim. Mostram solidariedade, amizade, persistência, etc.

    Ótima a sua analogia com o simulador de vôo. Concordo totalmente! Em um livro que li há pouco tempo, A Negociadora, a personagem principal negocia a libertação de reféns em um sequestro num banco. O livro fala a estratégia dela pra acalmar o criminoso falando de coisas banais. Eu nunca ia pensar nisso se não fosse pelo livro. Aí um dia tive que lidar com uma pessoa possivelmente drogada e bastante nervosa; a primeira coisa que me ocorreu foi seguir o exemplo da personagem, e em poucos minutos ele já estava mais calmo.

    Sabe de uma coisa? Acho que essa polêmica vai servir é pra estimular ainda mais a leitura, instigando a curiosidade das pessoas ;)

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  4. É polêmico mesmo, nem li este artigo pois estou no inicio dos meus estudos de inglês e não entendo tudo que está escrito claramente.
    Sabia que você ia citar 'Looking for Alaska', por razões obvias, Este não é apenas um YA é o YA, principalmente por causa do seu conteudo sobre crescimento(que é a tarefa mais dificil para o ser humano, tenho descobrido recentemente que não sei nada do que gostaria). Eu acho que até filmes livros infantis deveriam ser um POUQUINHO mais realistas. Digo isso porque eu sempre via filmes e lia livros, nunca via ninguém morrer,(desenhos animados) quando minha vó morreu pensei que ela voltaria do nada. Hoje penso que seria tão mais facil se eu não tivesse acreditado em coisas assim, tinha apenas 9 anos, e não tinha consciência da morte, e quase nada da vida. Tudo é complicado, mas na minha opinião sobre esses temas acho que para o pessoal que tem idade de ler YA, e certa maturidade é bom abordar. Li recentemente um livro em que a garota sofre porque não consegue dizer a ninguém que foi estuprada, penso: se uma pessoa que por acaso leu o livro e ver que a personagem superou o seu medo, não tornaria mais facil fazê-la ver como isso é horrivel e deve ser denunciado?
    Quando vejo YAs que tratam de temas mais serios, com leveza e responsábilidade prestam um grande serviço.
    Ai alguém quer vir e dizer que por alguém ler sobre isso vai fazer o que fizeram. As pessoas sabem o que está ditado como certo e errado, se fazem algo com o conhecimento de que é errado, é porque desejam, e desejar sempre pode ser perigoso.

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  5. Hm
    gostei do artigo Enderson!
    Eu vi essa polemica no twitter e sabe, achei mt barulho por 'nada'... Dei uma lida no artigo original e achei a mulher uma louca, isso sim! Acho que se livros fossem capas de influenciar tão mal assim alguém, a tv, internet, cinema, teatro e tudo mais que ha de arte tb teria o mesmo poder e/ou culpa.
    Ninguém pode pensar em acabar com esse segmento da literatura!
    Acho que edução e principios são coisas que se aprende em casa e sinceramente (eu tb escrevo) não gostaria que um leitor tomasse como exemplo a se seguir algo que escrevi (e digo de modo geral) Acho que todo escritor escreve algo querendo até passar uma mensagem ou apenas contar algo que ache interessante, mas acho que o leitor tem que ter o bom senso de saber o que é uma ficção e o que é realidade!
    Uma vez - faz mt tempo - perguntaram algo do tipo para a escritora dos livros Gossip Girl, Cecily Von.. A revista teen perguntou se ela não se preocupa dos livros dela influenciarem mal os adolescentes (já que eles falam sobre sexo, drogas, bebida, cigarros e tal) e ela falou que esperava que o leitor tivesse criterio para saber que aquilo não era um exemplo a se seguir e sim uma historia; e desde então essa é a mesma visão que tenho!
    Eu já li tanta coisa, algumas eu aprovo, outras nem tanto, mas isso não faz com que eu ache a obra melhor ou pior, ou que deva ser banida do mercado.. As vezes eu amo uma historia que representa tu-do que eu jamais faria, entende?

    Então, acho que esses radicalismos não estão com nada! E devo acrescentar que tb acho que lá nos EUA, principalmente, esse grupo que eles tem (de pais sei lá de que) s só serve pra criar caso com coisas que não levam a nada.. #prontofalei

    Bjossss
    Evellyn

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