terça-feira, novembro 23, 2010

Por que o brasileiro lê tão pouco?!




Essa pergunta nos tem atormentado a todos, de professores a autores, de editoras a livrarias. E a resposta, longe de simples, é das mais assustadoras. Na Revista Superinteressante deste mês (ed 284) Raphael Soeiro nos traz algumas dicas importantes. A matéria, muito pertinente, ganhou apenas meia página e nem foi citada na capa, mas pelo menos estava lá.

Segundo Raphael, a Unesco, divisão da ONU que trata destes assuntos de educação e cultura, só há leitura onde ler é uma tradição nacional (#fail), o hábito de ler vem de casa (double #fail) e onde são formados novos leitores (triple #fail). Como vocês devem ter percebido, estamos praticamente na contra-mão disso. Uma das melhores frases do artigo de Raphael constata que fomos "do analfabetismo à tv sem passar pela biblioteca".

Como sempre alguém relembra nos maravilhosos encontros Novas Letras (o próximo é dia 4, Saraiva do Shopping Ibirapuera, 18h30, em SP), a escola tem boa parte da culpa. Zoara Failla, do Instituto Pró-Livro, reforça o coro, dizendo que os livros clássicos do século 19 são maravilhosos, mas não adequados pra idade dos alunos. Segundo ela, achando as obras chatas, o adolescente não retorna à leitura depois que sai do colégio. Raphael acrescenta que nos países anglo-saxões (Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo), os clássicos são mais próximos dos anos 50 e 60, e há menos livros, que são analisados a fundo. A solução deve vir daí, mas isso implica em mudar o vestibular, e nesse ponto, o ENEM poderia ajudar.

Eu, claro, defendo que devemos mesclar clássicos e livros contemporâneos, e claro, a participação dos pais é fundamental, e mesmo que não sejam leitores assíduos, estimulem seus filhos. Uma nação se faz de homens e livros, como diria Lobato, e no nosso caso, andam faltando ambos exemplos, de retidão e de leitura.

Como vocês sabem, ou pelo menos desconfiam, embora sejamos a 8a economia do mundo, somos um país essencialmente subdesenvolvido. Educação não é o nosso forte, e mesmo a tão aclamada nova classe média, em geral, sofre o problema do aumento de renda sem necessariamente o aumento do nível de cultura e educação, o que claro, minimiza o impacto dessa classe no mercado editorial.

Para comparar o quanto lemos e o quanto poderíamos ler, darei o exemplo mostrado na reportagem da Super. Os dados são interessantíssimos. Comparando Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Alguns itens que contam pra explicar o que anda acontecendo por aqui:

TAXA DE ANALFABETISMO
Brasil = 15%
Chile = 4%
Argentina = 3%
Uruguai = 2%

PREÇO MÉDIO DO LIVRO
Brasil= R$40
Chile = R$25
Argentina = R$30
Uruguai = R$25

LIVRARIAS POR 100MIL HABITANTES
Brasil= 1,25
Chile =3,33
Argentina=2,5
Uruguai=3,33

LIVROS LIDOS ESPONTANEAMENTE POR HABITANTE, POR ANO
Brasil=1
Chile=5
Argentina=5
Uruguai=6

Bom, os número falam por si mesmos. Mas vamos analisá-los resumidamente. Nossa taxa de analfabetismo já seria ridícula se fosse verdadeira, mas a verdade, como vocês sabem, é que ela é mascarada: quem assina já é considerado alfabetizado. Então, quando falamos em alfabetizados de verdade, os dados são bem mais alarmantes, e acho pouco provável que metade dos brasileiros leia regularmente, será que estou tão errado assim? Bom, é que nem a história dos biscoitos fresquinhos porque vendem mais. Quem lê mais, lê e escreve melhor; e quem lê e escreve melhor, lê mais. Então, falta bastante, né, comecemos, pois!

Uma discussão que sempre volta aos nossos círculos na blogsfera é a questão do preço do livro. E como a matéria mostra, nós pagamos quase o dobro do que os chilenos e o os uruguaios pagam. Bom, quanto mais livros são vendidos, mais barato pode-se cobrar neles (ganho de escala), mas o Brasil não é dado a ganho de escala, gosta de dinheiro fácil. Então, não é incomum um livro poder ser vendido a 30 reais e custar 30% mais. O sistema atual, em que livrarias ficam com 50% a 60% do preço de capa do livro, definitivamente não ajuda editoras e autores, mais muito mais impacto causa nos pobres dos leitores.

Quando pensamos em livrarias perto de todo mundo, mais uma vez o Brasil tem um desempenho pífio. Você já deve ter ouvido dizer que o Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil todo. Provavelmente não é verdade, mas que em média os argentinos tem o dobro de chance de encontrar uma livraria no seu bairro, isso sim é. Quando somos comparados a Chile e Uruguai, a proporção é ainda mais embaraçosa, pois ambos países têm quase três vezes mais livrarias que nós, proporcionalmente. O Brasil sofre muito com essa carência, as grandes redes estão em grandes cidades, onde, como acontece no Brasil, a população enorme mascara o problema do analfabetismo crônico - há muitos analfabetos, mas também há muitos leitores. Livrarias pequenas, num país que lê pouco, se seguram pra não fechar. E aparentemente as coisas não mudarão tão rápido assim.

Agora, dentre todos os índices, o mais vergonhoso é o de leituras espontâneas por habitante, por ano. Sim, vocês lêem mais que isso, eu também. Conheço gente que lê 40 livros no ano, eu dificilmente passo de 10, mas como escrevo, em média, um livro a cada ano e meio, sou café com leite. O governo tenta mascarar o problema, incluindo livros para-didáticos e didáticos na conta, mas a realidade do mercado editorial é bem mais sombria: o Brasil tem, de leitura espontânea, por vontade própria, apenas 1 livro por habitante, por ano. Isso dá 190 milhões de livros, aproximadamente. No pequeno e esguio Chile, são cinco vezes mais. Logo, multiplicando-se a população do Chile por seus livros lidos espontaneamente, temos um mercado de 80milhões de títulos, quase metade do mercado brasileiro. No Uruguai, somos execrados em 6/1, mas é na combalida Argentina que temos, fazendo a mesma conta, um mercado de literatura realmente forte: com 40 milhões de habitantes lendo em média 5 livros por ano, o mercado argentino é de nada menos que 200 milhões de títulos anuais. Ou seja, a Argentina toda, com uma população menor que a de São Paulo, tem um mercado maior que o do Brasil inteiro! Hello!

Espero que este post tenha feito você refletir. Você, leitor, tenha percebido o quanto você é importante e a diferença que faz no país. Tente trazer mais gente pro seu lado. Você, autor, perceba o longo caminho que temos pela frente, vamos produzir boa literatura! Vocês, editores e livreiros, vejam duas coisas nesse post: pensem em ideias para estimular o mercado, seja no preço dos livros, seja em eventos, seja em iniciativas junto às escolas. E claro, como tudo isso custa dinheiro, percebam que mais do que importar, está na hora de exportarmos literatura. E Chile, Argentina e Uruguai esperam ansiosamente por isso.


foto: Enderson Rafael e todos as suas obras. Uma só cabecinha, 300mil palavras.

14 comentários:

  1. Nossa Senhora...adorei Enderson! São tantas as variáveis no caso da falta de leitura no Brasil...que nem dá para citar em apenas um post ou comentário...
    Preguiça...analfabetismo, lê mas não entende, preço dos livros, escolas que apresentam livros desinteressantes para leitura...aqui em casa...somos leitores compulisivos...até minha filha de 6 anos que ainda está aprendendo a ler...já adora entrar na livraria...e não dorme sem estar com um livro nas mãos, desde pequena...temos uma verdadeira biblioteca cada um de nós...pais e filhas...
    Adoro seu blog, amei o post e continuo torcendo pelo sucesso de seus livros!

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  2. Nãoa cho que número populacional influencie nessa questão, pois matematicamente falando, existe mais brasileiros do que qualquer sulamericano. Mas acho que preço influencia muito e é responsabilidade do Ministério da Educação tomar medidas para isso, sem falar nos inúmeros impostos! E penso que educação vem de berço, isso pode ser mudado ao longo do tempo, mas quem tem apoio familiar e escolar desde cedo para a leitura tem mais chance de ser um leitor assíduo, sim. Essa questão deveria ser amplamente discutida em fóruns sociais, daí a culpa nas políticas públicas que não se mexem. Afinal, população letrada, corrupção a menos - certo?

    Beijos Ende =*

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  3. Cí, que ótimo exemplo o da sua casa! E Gui, qdo digo do número populacional, estou usando a média de leituras por habitante. Ou seja, tem gente que lê 40, mas muito mais gente que não lê nenhum, daí chegamos a 1 livro por habitante. Esse número é sim importante pois demonstra o tamanho do mercado, e nosso país, do tamanho que é, com a riqueza que tem, ter um mercado menor que o da Argentina é embaraçoso, mas reflete ótimas oportunidades por lá. Afinal, se exportarmos literatura e virarmos referência na produção literária, quem sabe assim os brasileiros não passam a ler mais, e aí, a corrupção deve ficar em maus lençóis, certo?! Beijão!

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  4. Post muito esclarecedor, chega a ser assustador.
    Eu tento fazer minha parte, até no simples comentar um livro numa roda de amigos, cada semente plantada é uma esperança de um novo leitor.
    Beijinhos!

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  5. É real e assustador, sim.
    Mas, com cada um fazendo a sua parte na colaboração (em vez de virar as costas ou fechar os olhos, como já vi muitos fazerem), é possível reverter o quadro.

    Eu postara sobre o mesmo assunto, hoje, só que em uma vertente mais... revoltadinha.

    Adorei o texto, Rafael!
    #Está Twittado!

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  6. Oi Enderson, quem fala é seu editor, Vítor Barreto!
    A Gui Liaga fala de impostos, mas isso não é um fator que prejudique o mercado de livros. Livros e toda sua cadeia de produção são imunes de impostos!
    Em minha opinião, ainda é um problema a tiragem. O mínimo para se produzir um livro com custo competitivo é 1000 exemplares, que é também o mínimo para uma gráfica industrial, na maioria dos casos. Ao produzir 2000 livros, por exemplo, o custo unitário cai muito, mas enfrenta-se o problema do estoque e do tempo que o livro leva para se esgotar.
    Enfrentamos também (no nosso caso, como editora pequena) as grandes editoras, que publicam livros em ritmo fabril, com lançamentos quase diários.
    A cultura da novidade, que quer novos títulos o tempo todo e que, após uma semana, já torna um lançamento "velho", prejudica as editoras pequenas, que investem muito capital e energia na divulgação de um novo título e um novo autor. Com estruturas pequenas, levamos meses em projeto gráfico, revisão e assessoria de imprensa, que precisa de milagres para conseguir espaço na mídia.
    Manter o interesse de um mercado ávido por novidades quando ainda não se é grande é um desafio e tanto.

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  7. Leninha querida, vc é um exemplo de cultivo da literatura! Não só em casa como nos blogs tb. This, quero ver seu post, menina, manda o link! Grande Vítor! Muito pertinentes suas observações, essa cultura da novidade existe em todos os setores da economia, e diga-se de passagem, até na vida social das pessoas. Eu bem tinha comentado lá, que uma coisa que pode sim amenizar o preço é o ganho de escala. E... bom, vou te mandar email:-P Thanx for showing up!

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  8. olá, meu nome é Roberta e gostaria de pedir duas coisinhas:
    1- usar seu post "poq que o brasileiro lê tão pouco"
    2- tentar uma parceria!
    Criei um blog e este é totlamente dedicado a livros e leitura. ainda tem poucos seguidores, mas tenho certeza que um sorteio fará aumentar o número de acessos.
    Caso a resposta (ao segundo pedido) seja positiva, meu blog estará a inteira e total disposiçõa para informações sobre seu trabalho.
    aguardando resposta
    Obrigada pela atenção

    http://coisadelivro.blogspot.com/

    tiabetok@gmail.com

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  9. Ei, Ende!
    Este ano eu fiz um trabalho pra aprender a preparar um TCC que era de tema livre. Acabei escolhendo algo sobre incentivo à leitura no Brasil. Durante a preparação do trabalho, li tanto sobre isso que acabei lendo seu post já com os olhos de alguém que já vinha acompanhando esses dados há um tempo (dei uma lida em dados antigos, mas eram bem parecidos com esses). Continuo com o mesmo pensamento: Acho um absurdo apenas uma parcela mínima da população ajudar a deixar a quantidade de livros lidos espontaneamente por ano, crescer. Eu, por exemplo, li 58 livros apenas em 2010. Continuo achando pouco e sempre tenho vontade de aumentar este número. E é esse meu esforço (e de outras pessoas, é lógico) que ajuda a deixar este um livro por pessoa. Por isso fico chateada.
    A minha maior vontade é fazer com que este número aumente de uma forma que todas as pessoas realmente leiam pelo menos um livro por ano.
    Nós, brasileiros que gostamos de ler, devíamos incentivar mais, seja a família, seja amigos, seja qualquer pessoa que conhecemos, porque é importante.
    Como você disse, tudo no Brasil é muito mascarado. E, infelizmente, temos a certeza de que esse quadro vai demorar - muito - para mudar.

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  10. Oi End. adorei o post e sim concordo com muito do que você falou, eu por exemplo não era muita interessada na leitura até chegar as meu segundo ano do ensino médio, não me interessava a nossa literatura clássica, e sim eu a achva chata ( até hoje algumas obras para mim são chatas, e muitas vezes complexas de mais para a minha cabecinha.)quando cheguei ao meu segundo ano do ensino médio tive contato com os livros de literatura estrangereira, de uma leitura agradavel e que fluia facilmente, depois daí a minha paixão pela leitura só aumentou,esse ano passei a conhecer mais da nossa literatura nacional contemporania e estou amando cada vez mais, muitos dos meus amigos não gostavam de ler e nem mesmo a minha família mais a cada livros que eu lia eu comentava sobre o asunto, o que tinha de bom e ruim e assim fui despertanto o interesse deles tbm, minha mãe já lê pelos menos uns 3 livros ao ano como ela fala não tem muito tempo para ler, mais nas horas de lazer dela quando olha ela está lendo, ainda não consegui atrair meu irmão mais não irei desistir, minha irmã por parte de ai já adora um livro, ela tem 4 anos mais toda noite antes de dormi eu leio sempre para ela e ela adora, sinto que a cada dia faco minha parte, atualmente acho que já passei de 60 livros já lidos esse ano.

    Um grande Beijo End!

    Lígia.

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  11. Quase um mês depois, estou passando por aqui de novo!
    O link do post segue abaixo, Rafael, abraço!

    http://coracaoalheio-terraqueninguemhabita.blogspot.com/2010/11/por-que-parei-de-ver-tv.html

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  12. Olá,

    Encontrei seu site num blog, na página de autores parceiros.
    Eu estava interessada em saber se você aceita enviar-me alguma(s) de suas obras literárias (autografadas, caso seja possível) para que eu possa ler e resenhar ela em meu blog (primeiro-livro.com) e sorteá-la depois, caso você deixe.
    Peço-lhe, por favor, que caso aceite, responda-me mais breve possível por este mesmo e-mail.
    Se for de seu interesse talvez depois, também possamos disponibilizar em meu blog, uma entrevista que farei com você.
    Aguardo ansiosamente pelo se retorno.
    Abraços,

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  13. Olá, viu seu livro no Skoob e gostei muito da sinopse. Vim aqui com a intenção de tentar parceria com você.
    Se interessar, pode entrar em contato pelo MSN.
    mylle_cfn@hotmail.com

    Parabéns!

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  14. Amei essa sua foto, Enderson!
    Você escreve muito mesmo...
    Bem, eu leio sim mais que 40 livros por ano... E tento fazer bastante gente ler!
    Aqui na minha cidade só tem UMA (PEQUENA) livraria. Decidi que vou morar no Uruguai.
    Ótimo post.

    Tarsila

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