quarta-feira, março 16, 2011

O efeito da pressão na aviação








Foto: aproximação da pista de Smolensk, tirada pela agência de investigação russa.

O que temos a aprender com os poloneses.

Saiu por estes dias o relatório final sobre o acidente com o avião que levava o líder polonês Lech Kaczynski para um evento na Rússia. O pouso em Smolensk estava comprometido pois o aeroporto de lá estava abaixo dos mínimos permitidos: ou seja, não havia visibilidade suficiente para que aquele tipo de avião pousasse naquele aeroporto – é possível pousar com visibilidade zero, mas depende da tecnologia embarcada na aeronave, da tecnologia disponível no aeroporto e do treinamento da tripulação em fazê-lo. Na aproximação final, o TU154 da força aérea polonesas impactou-se contra uma floresta próxima e ninguém sobreviveu. Era 10 de abril de 2010.

Temos uma forte tendência a buscar culpados. Mas esta é uma atitude tola. Primeiro: se há culpados, significa que quando eles estejam “resolvidos”, o problema está resolvido. Portanto, seguindo a lógica, não haverão mais assassinatos em série em uma cidade porque o serial killer culpado pelas mortes está preso. Pois é, na aviação é diferente. Os pilotos do avião polonês, que estão sendo muitas vezes “culpados” pela mídia – o relatório dos investigadores russos não os coloca como culpados, exatamente como era de se esperar de um relatório sério – morreram no acidente. Então nunca mais teremos acidentes deste tipo, certo? Errado. A ideia de uma investigação de acidente aéreo não é buscar culpados, mas descobrir o porquê, que tendências e comportamentos e falhas levaram ao ocorrido, para que todos nós da comunidade de aviação possamos aprender com eles e tornar a aviação cada vez mais segura – como ela está, de fato, se tornando.

O principal fator contribuinte para o acidente com o Tupolev polonês não foi o clima, como uma análise superficial possa sugerir. O que de fato contribuiu foram algumas falhas pequenas, em cadeia, causadas, em última instância pela pressão que os pilotos sofreram por parte do líder polonês abordo. Em um dado momento, escuta-se nas gravações “Ele vai ficar furioso”. Os pilotos eram militares, o que quase sempre implica em pouca experiência – os pilotos civis costumam voar em um ou dois anos o que militares podem levar uma década – mais o que era muito pior, estavam com o seu comandante maior, o presidente polonês, abordo. Eu já estive abordo com um chefe de estado que queria que pousássemos de qualquer jeito no destino, que também estava fechado por nevoeiro. O comandante daquele voo sabiamente não pousou, e só fomos chegar à capital do dito país sete horas mais tarde. Mas antes chegar atrasado nesta vida do que adiantado na próxima, e aqui estou para contar a história. Os poloneses não.

Mas não são só chefes de estado com disturbios autoritários que provocam acidentes. A questão é que a pressão, existe de todos os lados. Do governo, que quer que a aviação ande; das empresas, que não querem perder dinheiro; dos passageiros, que geralmente não entendem de aviação mas querem chegar no destino de qualquer jeito. Jogando contra, temos a falta de infra-estrutura no país e fadiga dos tripulantes, que andam sendo exigidos no máximo da regulamentação há meses; a favor, temos tripulações bem treinadas e aeronaves novas. Porém a maior pressão de todas vem de nós mesmos. Também estamos cansados, também queremos chegar em casa. Mas existe um momento em que temos que abrir mão de insistir. Na aviação, só a perfeição é aceitável. E neste ambiente, uma das frases que nunca pode ser dita é “vai que dá”.

Um comentário:

  1. Não acompanho muito os relatórios de acidentes, mas sei que sempre fazem parte de uma cadeia de pequenas falhas alinhadas (o famoso queijo suíço).
    Não dava para pousar só com instrumentos? A pista tinha ILS?
    Pior de tudo é que piloto em geral se acha um super-homem. Se isso não mudar, a taxa de acidentes nunca vai cair.
    Parabéns pelo blog!

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